Tive um professor de ética que dividia as nossas relações sociais em três campos de juridicidade: o campo do direito, o da moral e o da ética. Para nossa surpresa, alunos de direito que éramos, e tendo aula com um juiz respeitado, ele nos dizia que o campo do direito era o mais baixo dos três, sendo superado pelos outros dois e tendo a ética como o mais alto.
Sua explicação para os três campos era a seguinte: as relações sociais que tem por base o direito são as mais frágeis – só fazemos ou deixamos de fazer algo se houver uma lei para nos obrigar ou se houver uma sanção para nos punir; já as relações sociais sob o comando da moral não precisam de leis para nos obrigar a fazer ou deixar de fazer algo, mas ainda assim necessitaremos de uma força externa para reger nossas ações (a moral religiosa, a familiar, a social, comandam a maioria de nossas atitudes, sem mesmo ter uma única lei escrita); por últimos há as relações puramente éticas, que são aquelas em que agimos (ou não) somente de acordo com o sentimento interior de fazer o bem, sem nenhum comando legal, sem nenhum olhar externo a nos vigiar, fazemos tudo simplesmente pela necessidade de agir corretamente.
Seguia ele dizendo que, quanto mais um país necessita de leis, mais as pessoas que vivem nesse país perderam o sentido do que é viver em sociedade. Para ele, não precisamos de leis que nos digam que não devemos maltratar uma criança ou um idoso, leis para nos obrigar a votar, leis anticorrupção ou outras do tipo – precisaríamos no máximo de uns poucos códigos somente para nos organizar enquanto Estado. Leis, no seu entendimento, só servem para nos proteger de nós mesmos, nos proteger das feras que somos – já que não damos conta de nos domar, domar nossos instintos selvagens, então transferimos para o Direito essa tarefa. E, no caso, quanto mais leis nós criamos, é porque estamos caminhando mais em direção à brutalidade.
Nós brasileiros, enquanto sociedade, marchamos na contra mão daquilo que é o ideal jurídico – a ética. Cada vez mais criamos leis para nos organizar, para nos obrigar, para nos punir por ações que não deveríamos praticar. Legislamos e burocratizamos tudo, criamos engrenagens que não funcionam, e terminamos nos emaranhando na teia de regras e regulamentos que, no fundo, não precisamos. Se fossemos éticos o suficiente, se praticássemos mais a bondade e todos aqueles princípios de boa convivência que sabemos existir, viveríamos muito melhor.
Infelizmente, pelo que vejo, nossas relações sociais caminham para o caos. Nosso instinto de cooperação tem sido suprimido pelo de competição, e a cada momento em que crescemos mais, e nossos recursos naturais vão rareando, a tendência é piorar. Todos temos dentro de nós (inato ou não, eu não sei), o sentimento do que é correto, do que é Justo e bom, e isso independe de cultura, religião, espaço ou tempo, mas nem sempre colocamos em pratica esses sentimentos. Em nome de proselitismos e falácias, em nome de poder (e quase sempre de dinheiro), abandonamos a racionalidade e passamos a percorrer a via obscura da bestialidade
Voltando ao inicio, terminava meu professor dizendo que uma sociedade totalmente ética era uma realidade utópica. É verdade que praticar o bem e o correto independe de qualquer ligação religiosa ou cultural, mas enquanto não interiorizarmos esse preceito precisaremos das leis para adestrar o animal que há em cada um de nós. Por último, vale dizer que falo tudo isso na primeira pessoa do plural e não na terceira pessoa, porque me incluo em tudo que foi dito acima. Sou humano também e sei o quanto com simples gesto podemos ser ternos ou cruéis, lindos ou horripilantes, a mais perfeita criatura da criação ou anjos tortos e caídos. Tudo depende daquilo que queremos para o outro e para nos mesmo.