quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sobre ética, moral e direito – a vida em sociedade e o animal que somos.

                Tive um professor de ética que dividia as nossas relações sociais em três campos de juridicidade: o campo do direito, o da moral e o da ética. Para nossa surpresa, alunos de direito que éramos, e tendo aula com um juiz respeitado, ele nos dizia que o campo do direito era o mais baixo dos três, sendo superado pelos outros dois e tendo a ética como o mais alto.
                Sua explicação para os três campos era a seguinte: as relações sociais que tem por base o direito são as mais frágeis – só fazemos ou deixamos de fazer algo se houver uma lei para nos obrigar ou se houver uma sanção para nos punir; já as relações sociais sob o comando da moral não precisam de leis para nos obrigar a fazer ou deixar de fazer algo, mas ainda assim necessitaremos de uma força externa para reger nossas ações (a moral religiosa, a familiar, a social, comandam a maioria de nossas atitudes, sem mesmo ter uma única lei escrita); por últimos há as relações puramente éticas, que são aquelas em que agimos (ou não) somente de acordo com o sentimento interior de fazer o bem, sem nenhum comando legal, sem nenhum olhar externo a nos vigiar, fazemos tudo simplesmente pela necessidade de agir corretamente.
                Seguia ele dizendo que, quanto mais um país necessita de leis, mais as pessoas que vivem nesse país perderam o sentido do que é viver em sociedade. Para ele, não precisamos de leis que nos digam que não devemos maltratar uma criança ou um idoso, leis para nos obrigar a votar, leis anticorrupção ou outras do tipo – precisaríamos no máximo de uns poucos códigos somente para nos organizar enquanto Estado. Leis, no seu entendimento, só servem para nos proteger de nós mesmos, nos proteger das feras que somos – já que não damos conta de nos domar, domar nossos instintos selvagens, então transferimos para o Direito essa tarefa. E, no caso, quanto mais leis nós criamos, é porque estamos caminhando mais em direção à brutalidade.
                Nós brasileiros, enquanto sociedade, marchamos na contra mão daquilo que é o ideal jurídico – a ética. Cada vez mais criamos leis para nos organizar, para nos obrigar, para nos punir por ações que não deveríamos praticar. Legislamos e burocratizamos tudo, criamos engrenagens que não funcionam, e terminamos nos emaranhando na teia de regras e regulamentos que, no fundo, não precisamos. Se fossemos éticos o suficiente, se praticássemos mais a bondade e todos aqueles princípios de boa convivência que sabemos existir, viveríamos muito melhor.
                Infelizmente, pelo que vejo, nossas relações sociais caminham para o caos. Nosso instinto de cooperação tem sido suprimido pelo de competição, e a cada momento em que crescemos mais, e nossos recursos naturais vão rareando, a tendência é piorar. Todos temos dentro de nós (inato ou não, eu não sei), o sentimento do que é correto, do que é Justo e bom, e isso independe de cultura, religião, espaço ou tempo, mas nem sempre colocamos em pratica esses sentimentos. Em nome de proselitismos e falácias, em nome de poder (e quase sempre de dinheiro), abandonamos a racionalidade e passamos a percorrer a via obscura da bestialidade
                Voltando ao inicio, terminava meu professor dizendo que uma sociedade totalmente ética era uma realidade utópica. É verdade que praticar o bem e o correto independe de qualquer ligação religiosa ou cultural, mas enquanto não interiorizarmos esse preceito precisaremos das leis para adestrar o animal que há em cada um de nós. Por último, vale dizer que falo tudo isso na primeira pessoa do plural e não na terceira pessoa, porque me incluo em tudo que foi dito acima. Sou humano também e sei o quanto com simples gesto podemos ser ternos ou cruéis, lindos ou horripilantes, a mais perfeita criatura da criação ou anjos tortos e caídos. Tudo depende daquilo que queremos para o outro e para nos mesmo. 

terça-feira, 2 de novembro de 2010

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Hoje resolvi fazer algo diferente do costumeiro... não postarei um pensamento sobre algo, mas sim um conto. Não é o primeiro que escrevo, mas é um dos poucos que vocês terão oportunidade de ler por aqui, pelo menos por enquanto. Enfim, sem muitas explicações, aqui vai ele:



(des)Encontros


                Parou na varanda da sala e olhou para o horizonte que se enfeitava com mil cores. Não era a primeira, nem a ultima vez que via um pôr-do-sol, mas aquele tinha um significado especial: hoje era o último dia, de todos os dias, de sua velha vida. Tinha planejado esse momento durante algum tempo e hoje finalmente o estava colocando em prática. Não ia se matar, nem trocar de identidade ou mesmo fazer qualquer espécie de loucura, mas amanhã, quando o sol estivesse nascendo, seria outra pessoa, em outro lugar – tudo novo. Ficou ali até o ultimo contorno avermelhado do sol se esconder no horizonte e foi uma brisa gelada que a fez retornar a realidade: - vamos lá, hora de tomar as últimas providências – disse para si mesma.

                Apesar do longo tempo planejando essa mudança, a decisão mesmo de mudar veio repentinamente. Foi tudo muito rápido, muito louco – em menos de um mês já tinha se desligado de tudo, se despedido dos amigos, da família, vendido a casa, os móveis. Daquela antiga moradia só levaria o estritamente pessoal e as lembranças de alguns bons anos. Mas em verdade havia um segredo que ela não contou para ninguém: a velocidade da decisão foi, de certa forma, impulsionada por um sentimento que ela tentava conter, porém já não conseguia mais – ela estava apaixonada.
                Poucas semanas antes de se decidir por completo, viajando por uma das muitas redes sociais das quais fazia parte teve contato com aquele que iria acender novamente a chama há um bom tempo apagada. No inicio era uma conversa frívola, dois desconhecidos que se tateavam pelo escuro. Depois a intimidade foi aos poucos se instalando e em poucos dias já trocavam juras de amor e palavras de carinho pelo telefone. No mundo virtual, palavras de amor eram o máximo que se podia trocar para aplacar a ânsia de estar junto. E ela já contava nos dedos quando esse momento chegaria.
                E foi assim, com saudade dos que ficavam e com o coração aos pulos de ansiedade, que ela entrou no ônibus e deu adeus a todos na rodoviária. Evitou olhar para trás para que nenhum deles percebesse as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto. Estava triste sim, afinal, apesar de não pertencer mais aquele lugar, partir sempre trás alguma dor (a quem vai e a quem fica). Contudo, mais do que isso, estava feliz pela nova vida que se descortinava à sua frente. Seus planos, metas e desejos estavam todos postos na mesa e era nisso que se segurava para não fraquejar.
                O ônibus partiu e ela, como sempre fazia em qualquer viagem, dormiu. Demorou um pouco dessa vez por conta dos vários pensamentos que lhe povoaram a mente, mas enfim ela conseguiu fechar os olhos e desligar-se por completo. Quando acordou, o dia já raiava e a paisagem passava veloz do lado de fora da janela. Tentou fixar sua vista na estrada, mas era o seu futuro a única coisa que pensava.
                Enfim ela pisou pela primeira vez naquele solo que seria seu novo lar por um bom tempo (assim ela esperava). Bateu nos ombros, como querendo limpar a poeira que carregava de outros tempos, respirou fundo, olhou ao redor e identificou no meio da multidão que aguardava os passageiros aquele sorriso que a tinha conquistado. Era ele, seu amado, lhe esperando com um buquê de rosas e um beijo apaixonado.  E essa historia termina no mesmo momento em que seus lábios se encontraram pela primeira vez. Ela não sabia o que dali para frente iria ocorrer, na verdade nem queria mais pensar nisso. Queria mesmo era viver o mais intensamente possível.